sexta-feira, 12 de março de 2010

Saudade da “Paz”
Eu não sei se é porque estou numa fase Floydiana, mas tenho sentido saudade dos anos sessenta e setenta, ando relembrando bastante o que vi e vivi naqueles dias. Tenho pensado não só na estética, mas também no pensamento daqueles tempos. Na verdade, tenho saudade de certas coisas do mundo naqueles anos. Mas não pense que é saudosismo barato, aquele que termina em “no meu tempo era melhor”. Não. Eu também penso na primeira pessoa do plural. Fico refletindo sobre o que aconteceu nesse nosso mundo dos anos sessenta até agora. Sim, é claro que existe um fator individual nesse meu ponto de partida; afinal de contas, nasci nessa época, e além de observar os fatos senti os efeitos, alguns progressistas, outros reacionários, terríveis, principalmente no nosso país. Guerra do Vietnã, Woodstock, Guerra Fria, conflitos na Irlanda, conflitos em Israel, o Muro de Berlim, crise do petróleo. Cresci assistindo o noticiário da televisão e descobrindo outros países. “Pai, o que é comunismo?”, “onde fica o Vietnã?” Sim, hoje temos novas guerras, novos conflitos, novas crises. Alguém falou “mudam só os nomes?” Não vou contestar. Como disse, meu saudosismo não é raso.
E quando penso na primeira pessoa do plural procuro entender o que fizemos e estamos fazendo com nosso mundo. E quando revejo na minha mente diversos fatos, diversas mudanças que ocorreram de lá pra cá, eu chego a conclusão que nasci numa época de transbordamento. Sim, transbordamento. O ser humano acumulou tantas coisas (ou seriam bens? conquistas? idéias? ideologias? realidades?) que resultaram em mais uma explicitação de suas mazelas. A última delas a se exibir, a dançar na nossa frente e rir da nossa cara de espanto tem sido a violência. Esta senhora forte e bem apropriada de grande parte da natureza humana resolveu que, além de dançar e cantar, iria reinar absoluta. “Chega de me esconder”, falou ela. “A festa agora é minha!”. Pois é, essa senhora que vive disfarçada nas dobras do ser humano, suportando eras de contensão e sublimação, até que não caber mais nas nossas vestes e sair... livre e solta. Não sei se podemos culpar algum fator ou comportamento ou tendência em particular pelo que aconteceu. O fato é que, quando tudo o mais transbordou, ela também transbordou. Descarada, tenta seduzir todos os seres humanos que pensam de maneira imediatista (afinal, quem de nós não sente dor de barriga?), aliciar os mais incautos e dominar os delirantes (aqueles que, como ela, já perderam as rédeas). A meu ver, essa senhora já reinou demais pra nossos estômagos.
E se permitem a meu saudosismo falar um pouco de bobagem, gosto de lembrar dos dias em que “paz” e “amor” eram palavras que não causavam embaraço; pois os sentimentos que representam eram mais reverenciados, mais buscados. Dias em que, ainda que de maneira errada, as pessoas tentavam se libertar do consumismo (naqueles dias chamava-se “sociedade de consumo”), em que o grande irmão parecia ainda apenas ficção. Gosto de ser egoísta e lembrar que havia mais espaço livre e menos área urbana, de lembrar que a maioria das crianças brincava nas ruas, e que as noites eram mais tranqüilas. Mas nem tudo era perfeito. Não era só o país que sentia falta de liberdade. Eu também. Pois é, liberdade não é “uma calça velha, azul e desbotada”, é ter que arcar com as conseqüências. Então, eu proponho uma reflexão: como vamos enfrentar a senhora violência, que resolveu reinar nos últimos anos? É claro que vamos precisar de muita sabedoria para derrotá-la, dominá-la, vencê-la. Vamos ter muito que pensar, discutir, agir. Mas creio que temos as armas, ou melhor, as forças. Só não podemos fugir do espelho. Espelho na primeira pessoa do plural. Ele reflete nossa imagem.