Para o Homem-vaso
Como pode um Homem
ter dois corações habitados?
Um, de vermelhos e vasos
fala e se move
O outro, de pedra escura
cala e morde
Pensam que um
é mais que outro?
Fundiram-se doloridos,
socorridos
um ao outro
Como pode um Homem
ter dois corações habitados?
Eu, quanto os vi
sei que é verdade
Tão bela habilidade.
14-11-04
quarta-feira, 7 de outubro de 2009
sexta-feira, 11 de setembro de 2009
... Silêncio
Tempos Urbanos:
poemas de cidade
grande e pequena
Velocidade
Cada instante corre
para ser fotografado
captado pela objetiva da vida
Ódio e amor na cidade
onde os carros são o amor
e as pessoas são o ódio.
09-09-83
Luz-Dormente
A cidade cala
no escuro fala
neutra em anúncios
o que se vende!
o que se surpreende!
o que se compreende ?
até o dia
que se estende ...
um som surdo propaga
a calmaria, a paga
da noite ser viva
do dia ser morto
Quantas luzes se calam
dentro de nós ?
27-03-85
A Borboleta no asfalto
A borboleta voa
no solo da cidade
se arrasta pelo azul
do sonho da metrópole
espremida entre os espaços
do medo, da crueldade
do vão da fragilidade.
(A borboleta sonha ser um leão)
09-02-85
Viagens
Vejo São Paulo
de óculos escuros
e Miami
de céu azul
com olhos lavados
de poluição
e o peito em premissa
de emoção.
20-02-85
Ci-dade
Cidade,
caridade...
“Cara cidade:”
Cai a cidade
dada a idade
de cada cavidade
cai a vaidade
Cadê a cidade ?
20-02-85
Áreas
E lá estacionamos nós
robôs de lanchonete
comendo a mesma carne
deglutindo o mesmo doce
o passo parecido
à moda moldados
os cabelos cortados
(Pareço minha pera
em meio ao produto)
Mas as idéias,
anormais, iguais, contrárias
nos embalam com árias
de interiores distintos.
15-03-85
Noite
...(Uma luz longa e lânguida
leva seus lábios aos lares
em beijos, desejos e consumo)...
27-03-85
Tarde no centro da cidade
Divago, vago
um poema na cabeça
e poeira nos pés ...
09-04-85
À noite
ouço vozes
Vozes de vivos
vozes de tv
vozes de cães,
de canções
vozes minhas
vozes de aviões
em linhas
voando sobre nossas
vozes sem direções
vão e voltam
em volumes vários
de vales, de valas
de vilas
de varões, valetes
de voil, de seda
(tudo igual)
que valor têm
vozes movendo assim,
pulsando em volta de mim ?
10-04-85
Agonia de um país
O que se decide
por trás das portas
de capitais
por trás das portas
dos hospitais
o presidente vive
ou morre ?
o que será de nós,
pobres mortais ?
10-04-85
Grandeza
O complicado, o complexo
o simplificado
ciscam desde o chão do concreto
demarcado, riscado, arriscado
“O fabuloso poder do pecúlio”
E nós ?
Somos espelhos sujos
da opulência
de face nobre e pobre.
12-04-85
Nem lembrança ?
O mato domina
a moradia abandonada
será que está morta a mina?
será que não há mais nada ?
19-04-85
Sal Sujo (seja a sujeira da cidade)
O pó preto (ou dourado, verde
ou cor de metal)
aprisiona o real, o irreal
e até o belo sal
(nos bares)
fica na imundice total.
19-04-85
Excursão perdida
Quando ouço os jovens
no seu ensejo
(o vendedor e o papagaio)
vôo para vidas que não vejo
“Quer saber a sorte, moça?”
Quantos de nós
já não viveram
num país de realejo?
19-04-85
Lugares
Los Angeles
São Paulo
Paris,
New York
todas batem
dentro de mim
todas existem
(entre pontes)
no pico do prédio
no carro do rico
no mendigo
na mulher...
na prostituta
nas rédeas
de nossas mãos
sem brilhantes
nas sessões
dos homens de negócio
Os veículos – valem mais
que os vínculos
Quero trilhar
tudo do alto
e tocar o asfalto
com vossas valias.
21-04-85
Rodo
Que sincero pôr-do-sol de sexta!
todos esperamos pelo ônibus de 24 horas
amanhã quem sabe vamos sair
moleques maltrapilhos mendigam menos
evitamos até as tragédias, os trabalhos
as várias rodoviárias
que nos viram em passagens
e caretas para tudo.
26-04-85
Limites ou Alturas ?
É a primeira vez
que vejo as vilas do alto
nem estou no chão
nem dei um salto
tetos ornam os templos
os cabelos barram-me as retinas
como cortinas
que nos separam
de outros espaços
Até onde nos confinam os limites?
05-05-85
História do Movimento
Primeiro foi a biga,
depois a carruagem,
a bicicleta,
o carro
Ser inteligente
continua andando a pé
em protesto
em passeata
em parada
e a buzina é também bandeira.
06-05-85
Potência ou Inocência? (segredos)
O combustível caminha pela calçada
O homem (muito comum)
desliza pelo asfalto
nunca se sabe
quem é mau
quem é controlado
(O pano sempre cobre
o monumento
antes dele ser
mostrado.)
10-05-85
Av. Brasil
(Centro)
O nome do governante
do ente, antes doente
é ainda pendente
no muro que marca o futuro (?)
19-05-85
Papel-
Câncer-
Concreto
A pólis se propaga
como um câncer
pleno de apanhadores
de papéis.
19-04-85
Só tenho um retrato
do meu ante-passado
hoje é foto-instantânea
reveladora (?), re-velada,
um instante basta
pra construir o momento
pra corroer o guardado.
24-04-85
poemas de cidade
grande e pequena
Velocidade
Cada instante corre
para ser fotografado
captado pela objetiva da vida
Ódio e amor na cidade
onde os carros são o amor
e as pessoas são o ódio.
09-09-83
Luz-Dormente
A cidade cala
no escuro fala
neutra em anúncios
o que se vende!
o que se surpreende!
o que se compreende ?
até o dia
que se estende ...
um som surdo propaga
a calmaria, a paga
da noite ser viva
do dia ser morto
Quantas luzes se calam
dentro de nós ?
27-03-85
A Borboleta no asfalto
A borboleta voa
no solo da cidade
se arrasta pelo azul
do sonho da metrópole
espremida entre os espaços
do medo, da crueldade
do vão da fragilidade.
(A borboleta sonha ser um leão)
09-02-85
Viagens
Vejo São Paulo
de óculos escuros
e Miami
de céu azul
com olhos lavados
de poluição
e o peito em premissa
de emoção.
20-02-85
Ci-dade
Cidade,
caridade...
“Cara cidade:”
Cai a cidade
dada a idade
de cada cavidade
cai a vaidade
Cadê a cidade ?
20-02-85
Áreas
E lá estacionamos nós
robôs de lanchonete
comendo a mesma carne
deglutindo o mesmo doce
o passo parecido
à moda moldados
os cabelos cortados
(Pareço minha pera
em meio ao produto)
Mas as idéias,
anormais, iguais, contrárias
nos embalam com árias
de interiores distintos.
15-03-85
Noite
...(Uma luz longa e lânguida
leva seus lábios aos lares
em beijos, desejos e consumo)...
27-03-85
Tarde no centro da cidade
Divago, vago
um poema na cabeça
e poeira nos pés ...
09-04-85
À noite
ouço vozes
Vozes de vivos
vozes de tv
vozes de cães,
de canções
vozes minhas
vozes de aviões
em linhas
voando sobre nossas
vozes sem direções
vão e voltam
em volumes vários
de vales, de valas
de vilas
de varões, valetes
de voil, de seda
(tudo igual)
que valor têm
vozes movendo assim,
pulsando em volta de mim ?
10-04-85
Agonia de um país
O que se decide
por trás das portas
de capitais
por trás das portas
dos hospitais
o presidente vive
ou morre ?
o que será de nós,
pobres mortais ?
10-04-85
Grandeza
O complicado, o complexo
o simplificado
ciscam desde o chão do concreto
demarcado, riscado, arriscado
“O fabuloso poder do pecúlio”
E nós ?
Somos espelhos sujos
da opulência
de face nobre e pobre.
12-04-85
Nem lembrança ?
O mato domina
a moradia abandonada
será que está morta a mina?
será que não há mais nada ?
19-04-85
Sal Sujo (seja a sujeira da cidade)
O pó preto (ou dourado, verde
ou cor de metal)
aprisiona o real, o irreal
e até o belo sal
(nos bares)
fica na imundice total.
19-04-85
Excursão perdida
Quando ouço os jovens
no seu ensejo
(o vendedor e o papagaio)
vôo para vidas que não vejo
“Quer saber a sorte, moça?”
Quantos de nós
já não viveram
num país de realejo?
19-04-85
Lugares
Los Angeles
São Paulo
Paris,
New York
todas batem
dentro de mim
todas existem
(entre pontes)
no pico do prédio
no carro do rico
no mendigo
na mulher...
na prostituta
nas rédeas
de nossas mãos
sem brilhantes
nas sessões
dos homens de negócio
Os veículos – valem mais
que os vínculos
Quero trilhar
tudo do alto
e tocar o asfalto
com vossas valias.
21-04-85
Rodo
Que sincero pôr-do-sol de sexta!
todos esperamos pelo ônibus de 24 horas
amanhã quem sabe vamos sair
moleques maltrapilhos mendigam menos
evitamos até as tragédias, os trabalhos
as várias rodoviárias
que nos viram em passagens
e caretas para tudo.
26-04-85
Limites ou Alturas ?
É a primeira vez
que vejo as vilas do alto
nem estou no chão
nem dei um salto
tetos ornam os templos
os cabelos barram-me as retinas
como cortinas
que nos separam
de outros espaços
Até onde nos confinam os limites?
05-05-85
História do Movimento
Primeiro foi a biga,
depois a carruagem,
a bicicleta,
o carro
Ser inteligente
continua andando a pé
em protesto
em passeata
em parada
e a buzina é também bandeira.
06-05-85
Potência ou Inocência? (segredos)
O combustível caminha pela calçada
O homem (muito comum)
desliza pelo asfalto
nunca se sabe
quem é mau
quem é controlado
(O pano sempre cobre
o monumento
antes dele ser
mostrado.)
10-05-85
Av. Brasil
(Centro)
O nome do governante
do ente, antes doente
é ainda pendente
no muro que marca o futuro (?)
19-05-85
Papel-
Câncer-
Concreto
A pólis se propaga
como um câncer
pleno de apanhadores
de papéis.
19-04-85
Só tenho um retrato
do meu ante-passado
hoje é foto-instantânea
reveladora (?), re-velada,
um instante basta
pra construir o momento
pra corroer o guardado.
24-04-85
... Silêncio
Ser
(Poemas da raça humana)
Cada dia morre um anjo
Cada ser se guarda num canto
em cada ilha guarda um encanto
de sentir sufocado
na dor do espanto
o velho pranto, num pano
encerrado, inundado
do ardor do desencanto.
E quando as trombetas avisam
os sentidos se paralisam:
-Guarda a emoção em canto
que um anjo comporta,
se um pequeno tempo
te bate à porta!
Corta-lhe as asas qual simpatia
que inunde e invada
outra ilha vazia
e descubra outros anjos
que o corpo escondia:
o amor, o ódio e alegria
se consumam na glória
de sentimento derramado
que mantenha armado
amarrado com cuidado
secando a seiva
do ser alado
pois que padeça
do oculto pecado
de deixar-se fluir, encantado
e espalhe no mar
todo o emaranhado
que o cerca na ilha,
acorrentado.
Que não goze o gosto
de ver exposto o rosto
do anjo da ilha ao lado.
E se guarde num legado
a quem o tenha criado,
santificado.
E o chamou sentimento guardado,
encanto morto, eternizado.
24-08-03
Juventude
A motocicleta me ilumina
com seus olhos cor de velocidade.
Não tem tempo, nem idade:
só vontade.
24-10-83
Máquina
O automóvel desliza na praia
suave, sozinho
Perdido
na imensidão do mar.
Lá fora, a canção das ondas,
Genitora
Aqui dentro a canção dos homens,
destrutiva.
09-12-83
Partida
Velha casa
velhos móveis
velha música
velhos sons
velhas vidas
sonhos idos
cantos findos
vida ilusão
18-12-83
As luzes do lado norte
Em cada lado da selva
há um corte
um rasgo de progresso forte
Luzes da química, da eletrônica,
da morte
corações de propaganda e alquimia
e nossos corações à revelia
passam desapercebidos, contundidos
seguem paralelamente desviados
para o lado de um destino só.
08-01-84
Amor-Noturno
No meio da noite
clamo por ti
proclamo-te
meu inteiro amar
meu único cantar
na canção do amor
sem verso e sem som.
21-02-84
Uma hora, duas horas
três segundos
A vida passa
o tempo fica
O tempo passa
a vida fica
Um deles
tem que passar
O outro
passa sozinho
Quatro horas, cinco horas
seis segundos
A vida pulsa
no coração do tempo
O tempo cabe
na extensão da vida
O tempo conta
a vida passa
A vida conta
e o tempo passa
Dez horas, Dez horas
uma hora
Horas certas
vidas erradas
vidas perdidas
horas guardadas
zero hora
zero hora
zero hora ...
O tempo começa
a vida
acaba.
07-04-84
Marcha
Às vezes parecemos
exércitos de robôs
caminhando, cegos
construindo, construindo
demolindo, demolindo
vagando sob a luz
da estrela divina.
01-05-84
Papel-Eletrônica
Cenário de papel
programa de papel
televisão de papel
Encanto de papel
beleza de máquina
mentira cor de céu
Sorriso branco pálido
telespectador inválido
linda imagem cruel.
19-05-84
Morro da Serra de Santos
As casas no morro
As luzes no morro
os lares onde morro
de fome, de frio
Na favela, em coro
acende-se a vela
em honra do dia santo
A prece cresce
são seis hras
são dois dias
são cem vidas
Lá embaixo não acho
lugar onde brilhar
embaralho, desencaixo
a visão sem fim
E cada edifício é um facho
de força sobre mim.
22-07-84
Elos sentidos
Não sei onde encontrar
os elos de meu mundo
só sei que estão
entre meus pés,
minha cabeça e meu coração.
27-12-84
Mudança
Monumento de prata e cobre
relógio que me recobre
na luz nova
de cada manhã
ainda estarás vivo,
amanhã?
12-01-85
Versinho de um minuto
O relógio me guarda
a hora e o dia
porque nunca
sei quando sou.
12-01-85
Caracóis
Somos delicados caracóis
correndo com nossas casas
duras e rijas
atrás dos ombros
visando a liberdade
vazando a interioridade
e por dentro, os escombros
aos poucos, roucos
refazem a fragilidade
gritam a desconformidade
do nosso escorrer.
18-01-85
Papel passado
Velhos anúncios
velhos jornais
velhos destinos
que não se alugam mais...
10-02-85
Devaneios de árvores
Vivemos como árvores
com pés presos ao solo
notas e ouros nos enfeitam
floreiam o colo
e os pássaros nos tocam, nos
deslocam
aos nossos devaneios de verão.
(Árvores sós e lindas
têm devaneios no chão ...)
23-02-85
Amigos silenciosos
Alguns seres são
nossos ídolos de bronze
de barro e papel
presos nas paredes
soltos nas telas
Não lhes sorvemos
senão o valor
Não lhes ouvimos
que as aventuras
Mas lhes sentimos
mais vida e morte.
“Artistas são
seres vivos nas paredes
e fãs são
ídolos mortos no chão”.
13-03-85
Protesto (sem) poema
Sisudos
saiam da cama
saiam da calma
saiam dos bares
soltem dos bancos
quebrem o copo
vivam
revivam o esquema
revirem o problema
invertam o fonema
respirem, transpirem
rasguem o verso mal visto
o investimento
o revestimento em vão
de nossos vidros
ah, vivos...
não há parágrafo
nem há linha
tampouco poeminha
só vontade minha
e sua, então (?)
14-03-85
Pre-visão
Hoje é um dia fértil
crescerão árvores imensas
Amanhã não sei
se estarão de pé.
14-03-85
Histórias
Vê e ouve
os relatos que te contam
e saberás
quem somos (?) então.
25-03-85
Liberdade (?)
Pareço livre
de minhas cadeias
mas não sei
o que fazer
do sangue que corre
em minhas veias.
10-04-85
Luta Livre
Todo dia
há uma luta
preparada pra nós
junto da porta.
Joguemos a luva
e regressemos dela
(De preferência
com sangue)
como sempre.
17-04-85
Nós
quero entrar dentro
da concha, do caracol,
ser uma ostra só
tu não sabes de mim
nem mesmo o sol...
21-04-85
Ser Camaleão
Já estive triste
já tive medo
já segui só
já corri recusada
já naveguei no nada
(assustada)
Não nos parecemos, agora?
Hoje tenho um casaco
de cada criatura
que vivi.
Ou temos.
23-04-85
Defesa
A cabeça carece
de momentos líricos
apesar do café
da cerveja
do teto traído, destruído
do tempo atulhado
uma linha
sobeja.
19-04-85
Diante da cruz
Ouço várias verdades
três mil histórias
tristes memorias
figuro em todas faces
dos limites do meu lar
mas, no exterior
onde a linguagem é outra
e os mortos são os mesmos
até menos
a sombra da luz,
creia, é uma cruz.
24-04-85
Fabricandos
Delineamo-nos andróides (de fibras)
o intelecto é maquina
e as emoções são sementes.
Ferramentas leves do tempo.
Operários. Todos.
12-05-85
(Poemas da raça humana)
Cada dia morre um anjo
Cada ser se guarda num canto
em cada ilha guarda um encanto
de sentir sufocado
na dor do espanto
o velho pranto, num pano
encerrado, inundado
do ardor do desencanto.
E quando as trombetas avisam
os sentidos se paralisam:
-Guarda a emoção em canto
que um anjo comporta,
se um pequeno tempo
te bate à porta!
Corta-lhe as asas qual simpatia
que inunde e invada
outra ilha vazia
e descubra outros anjos
que o corpo escondia:
o amor, o ódio e alegria
se consumam na glória
de sentimento derramado
que mantenha armado
amarrado com cuidado
secando a seiva
do ser alado
pois que padeça
do oculto pecado
de deixar-se fluir, encantado
e espalhe no mar
todo o emaranhado
que o cerca na ilha,
acorrentado.
Que não goze o gosto
de ver exposto o rosto
do anjo da ilha ao lado.
E se guarde num legado
a quem o tenha criado,
santificado.
E o chamou sentimento guardado,
encanto morto, eternizado.
24-08-03
Juventude
A motocicleta me ilumina
com seus olhos cor de velocidade.
Não tem tempo, nem idade:
só vontade.
24-10-83
Máquina
O automóvel desliza na praia
suave, sozinho
Perdido
na imensidão do mar.
Lá fora, a canção das ondas,
Genitora
Aqui dentro a canção dos homens,
destrutiva.
09-12-83
Partida
Velha casa
velhos móveis
velha música
velhos sons
velhas vidas
sonhos idos
cantos findos
vida ilusão
18-12-83
As luzes do lado norte
Em cada lado da selva
há um corte
um rasgo de progresso forte
Luzes da química, da eletrônica,
da morte
corações de propaganda e alquimia
e nossos corações à revelia
passam desapercebidos, contundidos
seguem paralelamente desviados
para o lado de um destino só.
08-01-84
Amor-Noturno
No meio da noite
clamo por ti
proclamo-te
meu inteiro amar
meu único cantar
na canção do amor
sem verso e sem som.
21-02-84
Uma hora, duas horas
três segundos
A vida passa
o tempo fica
O tempo passa
a vida fica
Um deles
tem que passar
O outro
passa sozinho
Quatro horas, cinco horas
seis segundos
A vida pulsa
no coração do tempo
O tempo cabe
na extensão da vida
O tempo conta
a vida passa
A vida conta
e o tempo passa
Dez horas, Dez horas
uma hora
Horas certas
vidas erradas
vidas perdidas
horas guardadas
zero hora
zero hora
zero hora ...
O tempo começa
a vida
acaba.
07-04-84
Marcha
Às vezes parecemos
exércitos de robôs
caminhando, cegos
construindo, construindo
demolindo, demolindo
vagando sob a luz
da estrela divina.
01-05-84
Papel-Eletrônica
Cenário de papel
programa de papel
televisão de papel
Encanto de papel
beleza de máquina
mentira cor de céu
Sorriso branco pálido
telespectador inválido
linda imagem cruel.
19-05-84
Morro da Serra de Santos
As casas no morro
As luzes no morro
os lares onde morro
de fome, de frio
Na favela, em coro
acende-se a vela
em honra do dia santo
A prece cresce
são seis hras
são dois dias
são cem vidas
Lá embaixo não acho
lugar onde brilhar
embaralho, desencaixo
a visão sem fim
E cada edifício é um facho
de força sobre mim.
22-07-84
Elos sentidos
Não sei onde encontrar
os elos de meu mundo
só sei que estão
entre meus pés,
minha cabeça e meu coração.
27-12-84
Mudança
Monumento de prata e cobre
relógio que me recobre
na luz nova
de cada manhã
ainda estarás vivo,
amanhã?
12-01-85
Versinho de um minuto
O relógio me guarda
a hora e o dia
porque nunca
sei quando sou.
12-01-85
Caracóis
Somos delicados caracóis
correndo com nossas casas
duras e rijas
atrás dos ombros
visando a liberdade
vazando a interioridade
e por dentro, os escombros
aos poucos, roucos
refazem a fragilidade
gritam a desconformidade
do nosso escorrer.
18-01-85
Papel passado
Velhos anúncios
velhos jornais
velhos destinos
que não se alugam mais...
10-02-85
Devaneios de árvores
Vivemos como árvores
com pés presos ao solo
notas e ouros nos enfeitam
floreiam o colo
e os pássaros nos tocam, nos
deslocam
aos nossos devaneios de verão.
(Árvores sós e lindas
têm devaneios no chão ...)
23-02-85
Amigos silenciosos
Alguns seres são
nossos ídolos de bronze
de barro e papel
presos nas paredes
soltos nas telas
Não lhes sorvemos
senão o valor
Não lhes ouvimos
que as aventuras
Mas lhes sentimos
mais vida e morte.
“Artistas são
seres vivos nas paredes
e fãs são
ídolos mortos no chão”.
13-03-85
Protesto (sem) poema
Sisudos
saiam da cama
saiam da calma
saiam dos bares
soltem dos bancos
quebrem o copo
vivam
revivam o esquema
revirem o problema
invertam o fonema
respirem, transpirem
rasguem o verso mal visto
o investimento
o revestimento em vão
de nossos vidros
ah, vivos...
não há parágrafo
nem há linha
tampouco poeminha
só vontade minha
e sua, então (?)
14-03-85
Pre-visão
Hoje é um dia fértil
crescerão árvores imensas
Amanhã não sei
se estarão de pé.
14-03-85
Histórias
Vê e ouve
os relatos que te contam
e saberás
quem somos (?) então.
25-03-85
Liberdade (?)
Pareço livre
de minhas cadeias
mas não sei
o que fazer
do sangue que corre
em minhas veias.
10-04-85
Luta Livre
Todo dia
há uma luta
preparada pra nós
junto da porta.
Joguemos a luva
e regressemos dela
(De preferência
com sangue)
como sempre.
17-04-85
Nós
quero entrar dentro
da concha, do caracol,
ser uma ostra só
tu não sabes de mim
nem mesmo o sol...
21-04-85
Ser Camaleão
Já estive triste
já tive medo
já segui só
já corri recusada
já naveguei no nada
(assustada)
Não nos parecemos, agora?
Hoje tenho um casaco
de cada criatura
que vivi.
Ou temos.
23-04-85
Defesa
A cabeça carece
de momentos líricos
apesar do café
da cerveja
do teto traído, destruído
do tempo atulhado
uma linha
sobeja.
19-04-85
Diante da cruz
Ouço várias verdades
três mil histórias
tristes memorias
figuro em todas faces
dos limites do meu lar
mas, no exterior
onde a linguagem é outra
e os mortos são os mesmos
até menos
a sombra da luz,
creia, é uma cruz.
24-04-85
Fabricandos
Delineamo-nos andróides (de fibras)
o intelecto é maquina
e as emoções são sementes.
Ferramentas leves do tempo.
Operários. Todos.
12-05-85
terça-feira, 28 de julho de 2009
Fortuna
Fortuna
Os navios chegaram ao nascer do dia. Quase silêncio... Canto dos pássaros. Um canto quieto, contido, quase triste. Tão furtivamente quanto aporta o navio, descarregam-se os mercenários. As armas vão à frente de suas cabeças, quebrando folhas e galhos. Caminham sem parada, como quem sabe exatamente aonde vai. Mata adentro. Mata adentro.
(...)
Dentro da mata. Um homem negro, alto, forte, ajoelha-se sobre uma pele de leão. Segura nas mãos um punhado de búzios. Sacode-os, deixa-os cair sobre a pele. Olha atentamente para a pele. Recolhe os búzios. Deixa-os cair de novo. Repete o ritual várias vezes, até que, cansado, resolve descansar um pouco. Envolve os búzios em um pedaço pequeno de pele e os coloca ao lado da pele de leão. Está sentado ao pé de uma árvore, é noite, e uma fogueira acesa bem próxima evita que animais cheguem perto. Uma mulher sai de uma cabana bem próxima e vem até ele. Ele está sentado no chão, os braços apoiados nos joelhos, olhando para o nada. Ela se ajoelha a seu lado. Tem o olhar apreensivo e preocupado que tem todas as mulheres de guerreiros. Ele balança a cabeça negativamente. Nada... nenhuma visão... nenhum sinal... nada... nenhuma pista sobre o futuro da tribo... nenhuma...
A mulher do guerreiro volta para a cabana. Não dormiu, não dormirá. Aguardará que ele venha com algum resultado. Sabe que eles tem todos sob sua guarda espiritual, que todos querem saber se a caça será boa na próxima estação, se as águas e as frutas serão abundantes. Devem saber o que esperar, a quem pedir, a quem agradecer... E para saber isso vão esperar a noite toda se for preciso.
(...)
Os mercenários já estão mais perto de seu destino. Já avistam as aldeias, mas não se aproximam. Vão se esconder feito bichos, para atacar como bichos, dando bote...
(...)
O guerreiro volta aos búzios. Volta e pergunta. Volta e pergunta. Insistentemente pergunta... Sua aflição vai aumentando e as forças de seu coração parecem se exaurir. A dor toma conta de seu peito, uma dor tão lancinante, como se uma fera estivesse mordendo seu corpo. Uma dor que parece que nunca mais vai abandoná-lo...
O dia nasce. Os raios do sol nunca lhe causaram tristeza, mas agora causam. Sua companheira vem ao pé da árvore. Ele sente vontade de chorar, mas se controla. Logo todos vão chegar e ele não tem resposta nenhuma, nenhuma... E isso nunca acontecera antes. O guerreiro leva as mãos ao rosto, mas quando as tira o que vê é exatamente o que mais teme. Não está num sonho. Não está num pesadelo. È tudo verdade. Será que os Deuses os abandonaram???????
O guerreiro não sabe o que fazer. Os outros chegam e querem saber o que viu. Ele diz que tentou a noite toda e ainda não viu nada. Pede que esperem mais. Vai tomar um banho de cachoeira antes de recomeçar. Atordoado, recolhe suas coisas e sai apressado.
Os homens e mulheres mais maduros ficam assustados. Correm uns até a cabana dos outros. As noticias não soam boas. Sabem o que significa não ter uma só palavra dos céus. Algumas mulheres choram, outras se recolhem para rezar. Alguns homens pegam as armas. Outros vão se juntar ao grande guerreiro na cachoeira.
(...)
Os mercenários levantam ancora. Já fizeram a primeira parte de seu serviço odioso. A tribo acorrentada nos porões do navio, junto com outra tribo próxima. Muitos foram mortos. Não terão funeral digno de heróis. O grande guerreiro queria Ter morrido com eles. Pergunta-se por que os Deuses o pouparam. Pergunta-se por que os outros não se revoltam e o matam ali mesmo, por que não o enforcam com as correntes... Tudo o que sente dentro de si é que não conseguiu salvar seu povo, não conseguiu salvar seu povo... esse pensamento perduraria em sua cabeça até o fim de seus dias.
A companheira do grande guerreiro diz a ele que todos precisam dele, que ele sempre será o chefe deles, não importa onde estejam. E assim será.
(...)
A tribo se reúne à noite, em volta da fogueira. Não possuem mais lanças, nem escudos, nem peles de animais. Vestem-se com roupas de pano, que lhes cobrem as pernas, o dorso, às vezes também os braços. Agora os brancos estão dormindo e eles podem se reunir, como faziam em sua terra. O chão forrado com folhas, sentam em tocos, fumam cachimbos de madeira, não tão bonitos nem enfeitados com penas, como os que costumavam fazer, mas de formato semelhante. Durante o dia têm de falar a língua dos brancos, mas à noite conversam em volta da fogueira, falando sua língua. Chamam-se pelos seus nomes, sorriem e cantam as canções que a pouca alegria permite. Sentam-se em tocos de madeira, como faziam na floresta. Os brancos não lhes deixam ter tambores para tocar, mas não podem impedi-los de se reunir e conversar. Os pequenos escutam o linguajar dos mais velhos, aprendem com eles. Amanhã terão de falar a língua dos brancos.
Tocar a terra e senti-la com as mãos faz com que se lembrem de sua aldeia. O cheiro desta terra que habitam agora não é o mesmo, nem o calor, nem a espessura. Os brancos não são livres. Vivem trancados em casas, em terras com cercas, e suas armas são frias e pesadas. Os brancos não sabem o que é liberdade, por isso escravizam os negros. Rezam juntos, mas não são uma tribo, moram distantes uns dos outros, muito distantes. Não sabem dançar nem sentir alegria, como o povo da floresta sentia. Suas danças e suas músicas não são alegres como as do povo da floresta. Por isso, hoje, o povo da floresta canta mais triste também. Porque vive numa terra triste. Mas ainda é um povo. E sempre será.
(...)
A companheira do grande guerreiro já não pode mais andar. Os anos de trabalho roubaram-lhe as forças, e ela passa os dias e noites na cama. Trabalha ainda com as mãos, não quer ficar parada, diz que o dia não passa se ficar só olhando pela janela. As mulheres mais novas vem conversar com ela, vem ajudá-la a se cuidar e se alimentar, vem pedir conselhos e ensinamentos. O dia passa logo assim. Seu guerreiro também a ajuda. Apesar da idade avançada, ele a carrega no colo. As forças não o abandonaram, deve ser uma compensação dos Deuses. Ela não pode se unir aos outros todas as noites porque as dores nem sempre deixam, mas quando o faz, vai nos braços de seu guerreiro. Quando ele chega com ela nos braços, todos ficam em silêncio, abrem caminho, e preparam um assento para ela. Vem pedir a benção dos dois. Ela nem acredita que tanto tempo passou, que não é mais jovem, que estão lhe pedindo a benção, que ela agora é senhora. Para ela, será sempre como aqueles dias da floresta, em que os homens matavam as feras com suas lanças e seus escudos. Para ela, seu guerreiro será sempre Rei. O sol vai brilhar acima da copa alta das árvores. Ela sabe que um dia vai partir, e então poderá voltar à sua terra e nadar em sua cachoeira, junto a seus Deuses amados.
(...)
O grande guerreiro coloca uma flor na terra. Veio visitar sua amada companheira. Fala com ela, conta-lhe tudo o que está acontecendo com os filhos da tribo. Pede a ela que volte. Agradece a ela por todos os dias junto dele. Todos os dias.
(...)
Muito anos se passam antes que o grande guerreiro parta. Ele parte sentindo-se ainda culpado por sua tribo ter sido rendida. Parte sem compreender porque os Deuses assim quiseram. Parte sem saber a importância que tinha para os filhos da tribo. Parte sem saber que eles não seriam mais um povo se não tivessem seu Rei para reverenciar. E isso, os brancos não lhes tiraram.
Os navios chegaram ao nascer do dia. Quase silêncio... Canto dos pássaros. Um canto quieto, contido, quase triste. Tão furtivamente quanto aporta o navio, descarregam-se os mercenários. As armas vão à frente de suas cabeças, quebrando folhas e galhos. Caminham sem parada, como quem sabe exatamente aonde vai. Mata adentro. Mata adentro.
(...)
Dentro da mata. Um homem negro, alto, forte, ajoelha-se sobre uma pele de leão. Segura nas mãos um punhado de búzios. Sacode-os, deixa-os cair sobre a pele. Olha atentamente para a pele. Recolhe os búzios. Deixa-os cair de novo. Repete o ritual várias vezes, até que, cansado, resolve descansar um pouco. Envolve os búzios em um pedaço pequeno de pele e os coloca ao lado da pele de leão. Está sentado ao pé de uma árvore, é noite, e uma fogueira acesa bem próxima evita que animais cheguem perto. Uma mulher sai de uma cabana bem próxima e vem até ele. Ele está sentado no chão, os braços apoiados nos joelhos, olhando para o nada. Ela se ajoelha a seu lado. Tem o olhar apreensivo e preocupado que tem todas as mulheres de guerreiros. Ele balança a cabeça negativamente. Nada... nenhuma visão... nenhum sinal... nada... nenhuma pista sobre o futuro da tribo... nenhuma...
A mulher do guerreiro volta para a cabana. Não dormiu, não dormirá. Aguardará que ele venha com algum resultado. Sabe que eles tem todos sob sua guarda espiritual, que todos querem saber se a caça será boa na próxima estação, se as águas e as frutas serão abundantes. Devem saber o que esperar, a quem pedir, a quem agradecer... E para saber isso vão esperar a noite toda se for preciso.
(...)
Os mercenários já estão mais perto de seu destino. Já avistam as aldeias, mas não se aproximam. Vão se esconder feito bichos, para atacar como bichos, dando bote...
(...)
O guerreiro volta aos búzios. Volta e pergunta. Volta e pergunta. Insistentemente pergunta... Sua aflição vai aumentando e as forças de seu coração parecem se exaurir. A dor toma conta de seu peito, uma dor tão lancinante, como se uma fera estivesse mordendo seu corpo. Uma dor que parece que nunca mais vai abandoná-lo...
O dia nasce. Os raios do sol nunca lhe causaram tristeza, mas agora causam. Sua companheira vem ao pé da árvore. Ele sente vontade de chorar, mas se controla. Logo todos vão chegar e ele não tem resposta nenhuma, nenhuma... E isso nunca acontecera antes. O guerreiro leva as mãos ao rosto, mas quando as tira o que vê é exatamente o que mais teme. Não está num sonho. Não está num pesadelo. È tudo verdade. Será que os Deuses os abandonaram???????
O guerreiro não sabe o que fazer. Os outros chegam e querem saber o que viu. Ele diz que tentou a noite toda e ainda não viu nada. Pede que esperem mais. Vai tomar um banho de cachoeira antes de recomeçar. Atordoado, recolhe suas coisas e sai apressado.
Os homens e mulheres mais maduros ficam assustados. Correm uns até a cabana dos outros. As noticias não soam boas. Sabem o que significa não ter uma só palavra dos céus. Algumas mulheres choram, outras se recolhem para rezar. Alguns homens pegam as armas. Outros vão se juntar ao grande guerreiro na cachoeira.
(...)
Os mercenários levantam ancora. Já fizeram a primeira parte de seu serviço odioso. A tribo acorrentada nos porões do navio, junto com outra tribo próxima. Muitos foram mortos. Não terão funeral digno de heróis. O grande guerreiro queria Ter morrido com eles. Pergunta-se por que os Deuses o pouparam. Pergunta-se por que os outros não se revoltam e o matam ali mesmo, por que não o enforcam com as correntes... Tudo o que sente dentro de si é que não conseguiu salvar seu povo, não conseguiu salvar seu povo... esse pensamento perduraria em sua cabeça até o fim de seus dias.
A companheira do grande guerreiro diz a ele que todos precisam dele, que ele sempre será o chefe deles, não importa onde estejam. E assim será.
(...)
A tribo se reúne à noite, em volta da fogueira. Não possuem mais lanças, nem escudos, nem peles de animais. Vestem-se com roupas de pano, que lhes cobrem as pernas, o dorso, às vezes também os braços. Agora os brancos estão dormindo e eles podem se reunir, como faziam em sua terra. O chão forrado com folhas, sentam em tocos, fumam cachimbos de madeira, não tão bonitos nem enfeitados com penas, como os que costumavam fazer, mas de formato semelhante. Durante o dia têm de falar a língua dos brancos, mas à noite conversam em volta da fogueira, falando sua língua. Chamam-se pelos seus nomes, sorriem e cantam as canções que a pouca alegria permite. Sentam-se em tocos de madeira, como faziam na floresta. Os brancos não lhes deixam ter tambores para tocar, mas não podem impedi-los de se reunir e conversar. Os pequenos escutam o linguajar dos mais velhos, aprendem com eles. Amanhã terão de falar a língua dos brancos.
Tocar a terra e senti-la com as mãos faz com que se lembrem de sua aldeia. O cheiro desta terra que habitam agora não é o mesmo, nem o calor, nem a espessura. Os brancos não são livres. Vivem trancados em casas, em terras com cercas, e suas armas são frias e pesadas. Os brancos não sabem o que é liberdade, por isso escravizam os negros. Rezam juntos, mas não são uma tribo, moram distantes uns dos outros, muito distantes. Não sabem dançar nem sentir alegria, como o povo da floresta sentia. Suas danças e suas músicas não são alegres como as do povo da floresta. Por isso, hoje, o povo da floresta canta mais triste também. Porque vive numa terra triste. Mas ainda é um povo. E sempre será.
(...)
A companheira do grande guerreiro já não pode mais andar. Os anos de trabalho roubaram-lhe as forças, e ela passa os dias e noites na cama. Trabalha ainda com as mãos, não quer ficar parada, diz que o dia não passa se ficar só olhando pela janela. As mulheres mais novas vem conversar com ela, vem ajudá-la a se cuidar e se alimentar, vem pedir conselhos e ensinamentos. O dia passa logo assim. Seu guerreiro também a ajuda. Apesar da idade avançada, ele a carrega no colo. As forças não o abandonaram, deve ser uma compensação dos Deuses. Ela não pode se unir aos outros todas as noites porque as dores nem sempre deixam, mas quando o faz, vai nos braços de seu guerreiro. Quando ele chega com ela nos braços, todos ficam em silêncio, abrem caminho, e preparam um assento para ela. Vem pedir a benção dos dois. Ela nem acredita que tanto tempo passou, que não é mais jovem, que estão lhe pedindo a benção, que ela agora é senhora. Para ela, será sempre como aqueles dias da floresta, em que os homens matavam as feras com suas lanças e seus escudos. Para ela, seu guerreiro será sempre Rei. O sol vai brilhar acima da copa alta das árvores. Ela sabe que um dia vai partir, e então poderá voltar à sua terra e nadar em sua cachoeira, junto a seus Deuses amados.
(...)
O grande guerreiro coloca uma flor na terra. Veio visitar sua amada companheira. Fala com ela, conta-lhe tudo o que está acontecendo com os filhos da tribo. Pede a ela que volte. Agradece a ela por todos os dias junto dele. Todos os dias.
(...)
Muito anos se passam antes que o grande guerreiro parta. Ele parte sentindo-se ainda culpado por sua tribo ter sido rendida. Parte sem compreender porque os Deuses assim quiseram. Parte sem saber a importância que tinha para os filhos da tribo. Parte sem saber que eles não seriam mais um povo se não tivessem seu Rei para reverenciar. E isso, os brancos não lhes tiraram.
domingo, 5 de julho de 2009
O Porão
A primeira música que ouviu naquele sábado não lhe deixou esquecer a noite. “Será que vou te ver hoje à noite, num trem no centro da cidade?”
Em sua cabeça, já tinha tido todo tipo de pensamento sobre o que poderia acontecer naquela noite. Sabia que corria o risco de ficar esperando na estação, como uma tola. Para isso, tinha até um “plano b”. Mas estava decidida. Tinha de conhecer o território dele. Só assim para conhecê-lo de fato.
No final da tarde, juntou uma muda de roupa, maquiagem, escova de dentes, e colocou na bolsa. Arrumou-se como de costume, mas com uma estranha sensação. Nunca se sentira assim antes. Vestir-se, perfumar-se, e Ter a certeza de que poderia ser tudo em vão... Era como executar um ritual mecanicamente, sem qualquer satisfação. Era como se estivesse indo para um julgamento, uma entrevista de emprego, um exame de seleção, um exame de escola... tudo, menos um encontro amoroso. E a música na cabeça o dia todo: “Será que vou te ver hoje à noite, num trem no centro da cidade?”
Esforçou-se para não perder a hora, mas mesmo assim atrasou-se um pouco. Manteve os olhos abertos no metrô. Podia ser que se encontrassem no meio do caminho, como fora na primeira vez que saíram juntos. E a tensão aumentava a cada estação.
Quando chegou ao seu destino, doíam-lhe o estômago e a bexiga. E nenhum banheiro por perto. A estação era cercada por residências. Sim, talvez a única estação cercada por residências! Os minutos pareciam horas... Bem, só lhe restava decidir até que hora esperar. Até as nove? As dez?
Após uns vinte minutos de espera, o “plano b” foi engavetado. Ele acenou de longe. Talvez tivesse medo que ela fosse embora... Cumprimentou-a com um beijo no rosto. Seguiram para a casa dele. Local íngreme. Ela tinha vindo com um salto apropriado, como ele lhe pedira. Cada passo parecia uma eternidade.
Chegaram à casa. Uma rua com muitos sobrados. Pararam diante de um deles, desceram para a parte baixa da casa. Um porão, na realidade. Um porão onde ele guardava todas as dúvidas, todas as incertezas, todas as dores de sua vida. Um porão de adiamentos. Um porão que ele havia transformado em algo habitável, confortável, limpo, aconchegante até. Como sua vida. Quem o visse, teria dele a melhor imagem: bonito, educado, de boa expressão. Tudo certinho. Aparentemente.
Mostra-lhe a casa, acomoda-a na sala. Mostra fotos e mais fotos. Fotos de amigos. Fotos de família. Fotos de ex-namoradas... “Essa aqui você namorou quando?” “Ah, uns seis meses atrás...” A frase caiu-lhe como um soco. Seis meses antes estavam juntos.
Pedem comida. Pizza. Ele fala com ela como se estivesse recebendo uma visita em sua casa. Sim, o que parecera amor virara gentileza. Simples gentileza.
Fazem amor como duas pessoas que não se pertencem. E ele adormece. Fica a cargo dela desligar a televisão, apagar as luzes, colocar a camisola para alguém que não vai vê-la...
Não dorme como ele. Tem pesadelos. Na verdade, os pesadelos dele... Vê os fantasmas que o assombram: os amorosos, os familiares, os ancestrais... Caminha no meio da noite pelo território dele. Um porão de sentimentos abortados.
Na manhã seguinte, não pede mais que duas xícaras de café bem forte. Ali não haveria mais alimento algum para ela. De espécie alguma.
Caminham sob o sol os últimos passos de sua história. Ao menos ela agora sabia porque era melhor desistir. Um porão trancado no coração daquele homem. Sem chave para abrir.
A primeira música que ouviu naquele sábado não lhe deixou esquecer a noite. “Será que vou te ver hoje à noite, num trem no centro da cidade?”
Em sua cabeça, já tinha tido todo tipo de pensamento sobre o que poderia acontecer naquela noite. Sabia que corria o risco de ficar esperando na estação, como uma tola. Para isso, tinha até um “plano b”. Mas estava decidida. Tinha de conhecer o território dele. Só assim para conhecê-lo de fato.
No final da tarde, juntou uma muda de roupa, maquiagem, escova de dentes, e colocou na bolsa. Arrumou-se como de costume, mas com uma estranha sensação. Nunca se sentira assim antes. Vestir-se, perfumar-se, e Ter a certeza de que poderia ser tudo em vão... Era como executar um ritual mecanicamente, sem qualquer satisfação. Era como se estivesse indo para um julgamento, uma entrevista de emprego, um exame de seleção, um exame de escola... tudo, menos um encontro amoroso. E a música na cabeça o dia todo: “Será que vou te ver hoje à noite, num trem no centro da cidade?”
Esforçou-se para não perder a hora, mas mesmo assim atrasou-se um pouco. Manteve os olhos abertos no metrô. Podia ser que se encontrassem no meio do caminho, como fora na primeira vez que saíram juntos. E a tensão aumentava a cada estação.
Quando chegou ao seu destino, doíam-lhe o estômago e a bexiga. E nenhum banheiro por perto. A estação era cercada por residências. Sim, talvez a única estação cercada por residências! Os minutos pareciam horas... Bem, só lhe restava decidir até que hora esperar. Até as nove? As dez?
Após uns vinte minutos de espera, o “plano b” foi engavetado. Ele acenou de longe. Talvez tivesse medo que ela fosse embora... Cumprimentou-a com um beijo no rosto. Seguiram para a casa dele. Local íngreme. Ela tinha vindo com um salto apropriado, como ele lhe pedira. Cada passo parecia uma eternidade.
Chegaram à casa. Uma rua com muitos sobrados. Pararam diante de um deles, desceram para a parte baixa da casa. Um porão, na realidade. Um porão onde ele guardava todas as dúvidas, todas as incertezas, todas as dores de sua vida. Um porão de adiamentos. Um porão que ele havia transformado em algo habitável, confortável, limpo, aconchegante até. Como sua vida. Quem o visse, teria dele a melhor imagem: bonito, educado, de boa expressão. Tudo certinho. Aparentemente.
Mostra-lhe a casa, acomoda-a na sala. Mostra fotos e mais fotos. Fotos de amigos. Fotos de família. Fotos de ex-namoradas... “Essa aqui você namorou quando?” “Ah, uns seis meses atrás...” A frase caiu-lhe como um soco. Seis meses antes estavam juntos.
Pedem comida. Pizza. Ele fala com ela como se estivesse recebendo uma visita em sua casa. Sim, o que parecera amor virara gentileza. Simples gentileza.
Fazem amor como duas pessoas que não se pertencem. E ele adormece. Fica a cargo dela desligar a televisão, apagar as luzes, colocar a camisola para alguém que não vai vê-la...
Não dorme como ele. Tem pesadelos. Na verdade, os pesadelos dele... Vê os fantasmas que o assombram: os amorosos, os familiares, os ancestrais... Caminha no meio da noite pelo território dele. Um porão de sentimentos abortados.
Na manhã seguinte, não pede mais que duas xícaras de café bem forte. Ali não haveria mais alimento algum para ela. De espécie alguma.
Caminham sob o sol os últimos passos de sua história. Ao menos ela agora sabia porque era melhor desistir. Um porão trancado no coração daquele homem. Sem chave para abrir.
Fastio
Estou cansada. Não me sento em um sofá, mas estou cansada... Estou cansada de tudo o que me consome. Estou cansada do tempo do relógio. Estou cansada do tempo do céu. Cansada do calor. Cansada das músicas no rádio. Cansada da caixa que fala, e por vezes em vão. Cansada dos problemas sem solução.
Também me canso de ir aos mesmos lugares, escutar os mesmos cumprimentos. Também me canso do gueto. Meus amigos não me cansam, mas e os demais? Ah, quanta falta a privacidade faz!
Ah, que chato! Estou virando bicho do mato... será?
Cansei da bagunça em excesso. Também cansei da arrumação. Cansei do silêncio em excesso. Também cansei da falação.
Só não cansei das palavras, minhas irmãs. As que nunca tive, com quem nunca briguei, de quem sempre emprestei tudo, as que sempre me criticam, mas com quem nunca me irritei.
Ah, Deus, por que minha cabeça gosta de trabalhar? Será doença? Falta de vacina? Por que preciso caminhar e pensar? Vou fazer de minha revolta meu motim, meu mote. Quem sabe me sinto mais forte, diante de tudo sempre assim.
Estou cansada. Não me sento em um sofá, mas estou cansada... Estou cansada de tudo o que me consome. Estou cansada do tempo do relógio. Estou cansada do tempo do céu. Cansada do calor. Cansada das músicas no rádio. Cansada da caixa que fala, e por vezes em vão. Cansada dos problemas sem solução.
Também me canso de ir aos mesmos lugares, escutar os mesmos cumprimentos. Também me canso do gueto. Meus amigos não me cansam, mas e os demais? Ah, quanta falta a privacidade faz!
Ah, que chato! Estou virando bicho do mato... será?
Cansei da bagunça em excesso. Também cansei da arrumação. Cansei do silêncio em excesso. Também cansei da falação.
Só não cansei das palavras, minhas irmãs. As que nunca tive, com quem nunca briguei, de quem sempre emprestei tudo, as que sempre me criticam, mas com quem nunca me irritei.
Ah, Deus, por que minha cabeça gosta de trabalhar? Será doença? Falta de vacina? Por que preciso caminhar e pensar? Vou fazer de minha revolta meu motim, meu mote. Quem sabe me sinto mais forte, diante de tudo sempre assim.
quinta-feira, 8 de janeiro de 2009
Circuito Fechado
A noite começa como muitas. As buzinadas no ponto de ônibus, a espera do transporte.... Sem filas na porta, os desconfiados do lado de fora “pagando pra ver” se a casa vai lotar. Nada como freqüentar um mundinho noturno reduzido, é chegar e entrar. E ver vários rostos conhecidos, vários mesmo. Será que já conheço todos? Será que todos já me conhecem? Que importa?
Minhas previsões estavam certas. A coisa vai enchendo lentamente, à espera da hora certa pra começar o show. A iluminação fraca, bem escura, um presente pra nós. A cidade grande acabou com a escuridão, não é mesmo?
O desfile prossegue enquanto a banda não começa. Há quem não consiga ficar parado dez minutos num lugar. Calma, é apenas uma noite, haverá tantas... Só não consigo compreender por que aqui há homens que deixam de ser homens e mulheres que deixam de ser mulheres, por que viram machos e fêmeas... Não que eu seja cega, mas meu timing é outro.
Tomo um drink e começo a pensar na vida... (começo?) e lá vem as criaturas indo e vindo. Eu e meus amigos procuramos o melhor lugar. A banda vai começar. Cabelos e roupas tal qual, banda cover. Vozes afinadas, arranjos buscando o tal qual, banda cover. Minha cabeça fica dando voltas. Fico pensando o que leva alguém a representar outra pessoa ao invés de criar. Teatral? Talvez... Os gestos copiados, o virar de cabeça, o tom da voz. Ah, mas imitamos todos uns aos outros. Basta olhar para o lado e ver os trajes. Tantos parecidos. Alguns tem vinte e poucos anos. Acreditam que basta vestir uma roupa diferente, e pronto. Ah, Huxley, estava certo. Somos betas e gamas e deltas enganados.
Sim, eles tem vinte e poucos anos. E eu fico pensando que vão para casa e não têm de pagar as contas do mês. E fico pensando que você tem de pagar as contas do mês. Como eu. A banda cover prossegue, mas tem quem nem ouça. Um sujeito passou a noite toda em silêncio. Olhava o chão, olhava as pessoas. Será que queria companhia? A banda cover prossegue. Algumas mulheres ganham o palco. A vaidade ainda é tão feminina... Você entra e sai. Sai e entra. Seus amigos o rodeiam. Mas às vezes você só queria ficar só, não é? Ter o silêncio da música ecoando dentro do seu pensamento. Isso pode ser tão caro, não?
A banda cover termina, e vamos ao café. A televisão do café mostra um vídeo. Adivinha qual? Um da banda original. Círculo fechado. Imitações e imitados. Hoje fui eu que fiquei apontando meu dedo crítico pra tudo. Afinal, a insatisfação também pode ser divertida. Não criticamos o que não conhecemos.
Agora é tarde. Já invoquei você aqui. Não colocarei seu nome. Todos sabem. Mas não sabem quem você é. Jamais. Sabem os nomes, mas não quem somos.
Minhas previsões estavam certas. A coisa vai enchendo lentamente, à espera da hora certa pra começar o show. A iluminação fraca, bem escura, um presente pra nós. A cidade grande acabou com a escuridão, não é mesmo?
O desfile prossegue enquanto a banda não começa. Há quem não consiga ficar parado dez minutos num lugar. Calma, é apenas uma noite, haverá tantas... Só não consigo compreender por que aqui há homens que deixam de ser homens e mulheres que deixam de ser mulheres, por que viram machos e fêmeas... Não que eu seja cega, mas meu timing é outro.
Tomo um drink e começo a pensar na vida... (começo?) e lá vem as criaturas indo e vindo. Eu e meus amigos procuramos o melhor lugar. A banda vai começar. Cabelos e roupas tal qual, banda cover. Vozes afinadas, arranjos buscando o tal qual, banda cover. Minha cabeça fica dando voltas. Fico pensando o que leva alguém a representar outra pessoa ao invés de criar. Teatral? Talvez... Os gestos copiados, o virar de cabeça, o tom da voz. Ah, mas imitamos todos uns aos outros. Basta olhar para o lado e ver os trajes. Tantos parecidos. Alguns tem vinte e poucos anos. Acreditam que basta vestir uma roupa diferente, e pronto. Ah, Huxley, estava certo. Somos betas e gamas e deltas enganados.
Sim, eles tem vinte e poucos anos. E eu fico pensando que vão para casa e não têm de pagar as contas do mês. E fico pensando que você tem de pagar as contas do mês. Como eu. A banda cover prossegue, mas tem quem nem ouça. Um sujeito passou a noite toda em silêncio. Olhava o chão, olhava as pessoas. Será que queria companhia? A banda cover prossegue. Algumas mulheres ganham o palco. A vaidade ainda é tão feminina... Você entra e sai. Sai e entra. Seus amigos o rodeiam. Mas às vezes você só queria ficar só, não é? Ter o silêncio da música ecoando dentro do seu pensamento. Isso pode ser tão caro, não?
A banda cover termina, e vamos ao café. A televisão do café mostra um vídeo. Adivinha qual? Um da banda original. Círculo fechado. Imitações e imitados. Hoje fui eu que fiquei apontando meu dedo crítico pra tudo. Afinal, a insatisfação também pode ser divertida. Não criticamos o que não conhecemos.
Agora é tarde. Já invoquei você aqui. Não colocarei seu nome. Todos sabem. Mas não sabem quem você é. Jamais. Sabem os nomes, mas não quem somos.
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