sábado, 26 de fevereiro de 2011

...Silêncio

Poemas Místicos


sobre arte e criação



Colheita



Como vivem, morrem e caem

as folhas e os frutos

vivem, morrem e caem

os versos no papel

e brotam e se movem

pelo interior dos leitores.

29-12-84


Criação



Quantas palavras

Quantos poetas

Quantos caminhos

portas secretas...

29-08-84


Alguns frutos



Alguns poetas

brotam brandos e puros

crescem belos e fecundos



(alguns revoltam-se)



e murcham amargos

secos e sós.

09-04-85


Senhor



O escritor

dá o destino

dos vivos, dos mortos

do mal

dos mal-amados

com a mão

E quem comanda

a criação?

17-04-85


Artífice



O artista às vezes é

um pouco parente da gente

temos os traços de um

e os braços de outro

seguimos o gesto de algum

e o trajar de todos



- Sou prima de poeta

irmã de artesã



- Ah, como é bom ser artista

e ter mágica na vista!



Enriquecem nossos casebres

em brochura, gravura,

gravações, aparelhos

No retrato nome, sobrenome,

e assinatura

(que pedimos de joelhos)



Mesmo assim nos amam

são familiares

(que nunca temos)

precisam de nossos olhares

devemos dizer que os cremos.



(Os versos são para um avô

que me levou a versar).

17-04-85


Voto visionário



Os centésimos de segundo

não param

não esperam por você

voe até eles

e vaze o amanhã.

27-04-85


Uma confissão sem perdão



Somos larápios

emprestando poesia de outros

pra coroar nossa prosa

(que mal fala da rosa)

querendo engolir

as células dos sábios



Poe, toma teu terror

Pessoa, resgata vossa(s)

multiplicidade(s)

Blake, fecha as portas

Eliot, Shakespeare, Bandeira

rasguem toda a rota

se acharem-na torta,


Todos.

29-04-85


Hino-utilidade



De que adianta

ter-se

aviões, poetas,

lindas faces,

se não se sabe

como respirar ?

03-05-85

 
 
Pós-visão do brilho



Acho que sei

como quebrarão meus encantos

Acho que sinto

Como vazará meu instinto

serei como o poeta-suicida

findarei e voltarei

respiro após respiro

terei muitas vidas,

terei poucos anos,

talvez

Quantas vezes brilha

aquela luz

antes e depois?

07-05-85

 
Filme sem Fim



Quem não lembra

dos olhos de Gary Cooper?

Quem não apalpou as pernas

de Marlene Dietrich?

Glauber Rocha (foi?)

(e o vento, levou?)

Quantas tramas temos?

A trama sem nação

A terra sem tela

Os milímetros de emoção (antigos)

As calamidades de botões apertados,

O que revelaremos

da derradeira arte?


(Vamos parar em cena?)

09-05-85



Arte & Vendas (menos místico)



Procure as linhas

entre as entrelinhas

de uma música-comercial:

temos o romantismo-tablóide

de cifras e chifres

de um galã-de-novela

só as peças permanecem
aparente(mente) que é assim


“But what sells, sells.

That’s the law.”


Tradução simultânea:

“Mas o que vende, vende.

Esta é a lei.”
25-05-85

 
Pirâmides Permanecem...



Nas primeiras pirâmides

escondem-se os segredos

dos sangues, das dores, das crenças

-Uma pedra por cada vida!



Hoje, as pirâmides da polis

são tumbas isoladas

idolatradas, atadas

onde pequenos faraós

se enterram com ouros

de papel

- Cada vida por uma pedra!

26-05-85


Primeiro livro, última folha



A matéria

acaba,

mas não o

pensamento.

O espaço

Está em

N ó s.

27-05-85

...Silêncio

Personagens

(aqueles que passam da vida à virgula)


Para Fernando Pessoa


Da lágrima que nos rouba o rosto

Do tempo que passa em vão

Tu, vidente que me adivinha

os pensamentos de menininha

Que sonhar fosse a vida

E sonhar fosse então.

12-01-85


Mira o mar, Miró

Mira o mar, Miró

mira e admira

na beleza rara

nossa jóia cara

qual pétala bela

que teus encantos, na tela

criam e recriam.



O Mar de Miró

Nunca brilha só...

31-01-85

 
Aqui jaz Janis


Um disco diz:

Cantou

dançou

bebeu

amou.



Viveu, viveu

cantou, cantou

acabou-se

Morreu. Morreu (?)


(Quantas vezes viveu Janis?)

09-04-85


Cara Cora


Cora Coralina

ainda Aninha

preparou pra nós

nos seus livros

de capa de cobre

com sua mão-colher

poemas-doces

sabor de sabedoria.

15-04-85


Don’t go

Marilyn Monroe


Um coração

caiu no chão

(Que lugar-comum!!)

O roteiro se repete

a estrela, a vedete

tirou sua veste

de sedução



“Traga minha bebida

Traga minha vida

Traga meu homem

Que eles me consomem”



“Quero sumir

antes que alguém

me esqueça

Quero sorrir

antes que tudo

anoiteça...”



Uma garota

Põe seus pés

nos passos dos astros

linda, pequena

(Ainda é assim?)

FIM

01-05-85


Rimbaud imaginou...


Imagine Rimbaud

no século vinte

Talvez achasse que há

muita vida pra um só cronometro

muita carne pra um só osso

Ele entalharia tudo

E nos desenharia mutantes

atrás de nossos edifícios-fortalezas.

10-05-85

...Silêncio

Canções Curtas


(sobre música)


Tempos mortos



Morre a cantora

cala a canção

cai o velho castelo

onde embalei minha ilusão.

25-02-85


Ar Alugado



Demand of a poor man:

“A song, please.

A simple song!”



No passado

sabiamos solar

Atual-mente

vitrolas vazias

pronunciam, anunciam

suspiram por nós

Até quando tristes trastes

roubam nosso respiração?



(Onde anda o diapasão ?)



- O ar é vivo

miseráveis vilões

até pra traçar

vossas destruições...

16-04-85


Ritmos



O rock queima

a melodia arde

o nativo teima

o cidadão faz alarde



“O easy rider

o selvagem

o nauta

todos têm

sua pauta”.

16-04-85


Todos Blues



A guitarra produz

um acorde azul

a garganta tem

que riscar, rasgar

arriscar a toda conta

a torta, contra

as leis dos amantes,

dos monetários

dos longos monopólios

do baixo barulho

do alto azul (blue).

28-04-85

...Silêncio

Anos 60
Um tempo (mágico) e seus ecos


60 são os anos



60 segundos para nascer

60 minutos para morrer

60 gramas para ingerir

de sonho, guerra e aflição

e a prosperidade, na verdade

te espreita fria nos quadros

da televisão ...

29-11-84



De idos e vindos



Cabelos ao vento

não mais balançam

Vozes de deuses

não mais encantam

com seu canto

de morte, de dor

Guitarras aos dedos

não mais transportam

em solos livres

a desvarios coloridos

Dedos aflitos

não mais procuram

pela última gota

de uma branca ilusão

Olhos parados

não mais se inquietam

não mais lhes espetam

raios cinzentos

de um mundo sem luz

Filhos perdidos

não mais esperam

que a alma do mundo

lhes estenda a mão

Mas lábios confusos

ainda perguntam:

quem é que está morto?

quem foi que ficou?


30-05-83


Lembrança pequena (?)



Setenta e quatro acabou

oitenta e quatro também

mas o sonho ainda reina

na ilusão de alguém ...

14-03-85


Ópera dos pobres ...



Num velho teatro vazio

a orquestra calou-se

e deu vez a guitarra

os velhos a voz aos novos

e os pobres de espírito

e ricos de coração

encenaram seu drama

que apenas mudou de direção

03-04-85


Nova devoção



De repente os rapazes

partiram a página

e abriram a partitura

e o sangue escorreu

de solitárias cruzes.

03-04-85


Borrão tingido



O velho easy rider

não é uma figura extinta

ele persiste no tempo

como um borrão de tinta

Hoje é João ou Ricardo

Jack ou Michel

no fim de semana, torturado

põe de lado o seu papel



Encha o tanque! É sexta-feira!

Amanhã é só diversão!



... Outros de estanque, a via inteira

cobrem na vida em peregrinação



Beba teu sangue no whisky

teu pecado no champagne

onde verter vinho fique ...

(... só uns dias!)

E que um Deus

te acompanhe!



Você já tentou outro itinerário?

(Cuidado com o conformado

atrás das árvores)

17-04-85


Sonsopostos




Guerra      Guitarra

paz            pão


17-01-85