segunda-feira, 22 de junho de 2020

Resgatei um texto que escrevi há anos, quando fui a uma exposição.


Visita particular

Acabo de chegar de uma viagem. Fui à exposição de obras de Picasso, e não podia imaginar o que acabaria encontrando. Obrigaram-me a cuspir o chiclete, com medo de que eu pudesse atentar contra alguma obra. Só esqueceram de mandar um dos monitores dentro do próprio evento fazer o mesmo. Tudo bem, injustiças são parte deste tempero amargo que a vida às vezes serve.
Nem o café que tomei depois nem as conversas que tivemos depois conseguiram apagar as sensações das obras. Devo confessá-las para aliviar-me da culpa de sentir-me tão invadida por elas, de sentir-me tão invadida por aquelas imagens, por aquele mundo.
A primeira obra que observei causou-me arrepios. Pensei que fosse sugestão, emoção pura e simples diante da tela de um mestre, mas o mesmo aconteceu diante de quase todas as telas, principalmente aqueles que retratavam pessoas. Vou descobrindo então como a fúria do jovem Pablo vai transformando as formas, os rostos, os corpos, as paisagens. Os arrepios se repetem diante de cada quadro, como se a mente do mestre estivesse aberta ali para mim, só para mim. Que escândalo! Que atrevimento, Monsieur Picasso! Mostrar-me suas sensações, seus sentimentos, diante de todas aquelas pessoas! Homens, mulheres, jovens, casais de namorados, pais de família, mães e avós empurrando carrinhos com bebês, crianças animadas, todos cercados de monitores uniformizados. E o senhor mostrando seus sentimentos pra mim! E eu, ignorando todos, maravilhada com seus suspiros, seus gritos, seus rancores, seus temores... e seus amores. Preciso confessar que senti inveja de todas as mulheres que retratou. Ah, mas a minha vingança, ou melhor, minha recompensa, estava diante dos meus olhos, diante de todos! Era como se cada imagem pudesse me transmitir os sentimentos sem palavras. Não me pergunte exatamente qual emoção pertencia a qual quadro. Só sei que as senti, mesmo que houvesse um rapaz passando na minha frente, querendo chegar mais perto. Elas vinham até mim, e como se fossem fantasmas me tocavam, me chamavam sem saber meu nome e se derramavam sobre mim em forma de arrepios. Foi como se o mestre tivesse deixado a chave de seu diário pendurada perto da porta e eu a tivesse roubado. O mundo todo reconstruído em entalhes, em pinceladas, em traços, em contornos. O mundo que roubara. Seu mundo roubado. O mundo que eu roubava.
Sinto um torpor que vai aumentando a cada andar, e quando chego ao mais alto não consigo olhar para baixo. Preciso sentar, recobrar os sentidos diante do espelho d’água. Meu amigo quase descobre meu crime. Pergunta-me se estou me sentindo mal. Não, apenas preciso recuperar o ar antes de ouvir as últimas mensagens do cúmplice. Porque já não há mais culpados. Nem há mais crime. Apenas cúmplices. Aqueles que como eu roubaram a chave. Nas últimas mensagens, sinto somente uma bela despedida: “Agora você já viu minha mente. Já fez amor comigo. Pode ir embora.” Poderia ter ficado mais tempo lá, mas o presente já me tinha sido dado. Tinha que retornar à porta e devolver a chave. Meu amigo tem de me amparar. Lá embaixo estarei mais forte.   

 08.02.04

In-visible world




People are blind

they can't see

each other change,

the others think

the others think

the others pass

see people smile

see people shut

see people shine

But they are there.



24.09.92







Mundo In-visível



As pessoas são cegas

elas não veem

as outras mudaram

as outras pensarem

as pessoas passarem

as pessoas sorrirem

as pessoas calarem

as pessoas brilharem

Mas estão lá.



24.09.92

But God he is



If God

was a person

he would have

a man in his mind

a woman in his body

a child in his soul.



02.10.92

domingo, 21 de junho de 2020

Future

quarantine's come
a deadly disease
and I have a whole life
to think about...

20-06-20