quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

"Até quase metade", sobre o livro "Teu pai com uma pistola", de Thiago Mattos

Até quase metade

Em seu trabalho “Teu pai com uma pistola”, Thiago Mattos marcou seus poemas com números. Não são números inteiros, são números com casas decimais e centesimais. Sua escolha, a de marcar com números o que se poderia marcar com títulos, cria uma ordem, dá um desenho cronológico aos versos. Sua numeração evoca o tempo, como se fossem décimos e centésimos de intervalo entre os poemas. E o que se mede mais e mais ilusoriamente que o tempo?

Os versos de Thiago cumprem o que prometem: “poemas decimais sobre abraços”.  A promessa é confirmada nos últimos versos: “despedida/o abraço mais triste do mundo”.  A descoberta do que significam esses abraços é missão do leitor. Assim como o encontro com  seus outros temas/matizes/histórias. Estamos diante de uma voz que conta histórias sem narrativas, mas “abraça” em temas. Afinal, é um livro sobre abraços, não? Suas histórias têm um elemento-paisagem que perpassa os poemas: o córrego, o rio, as aguas que correm.  

As histórias desse cantar poético trazem dois personagens que se ressaltam: o filho e o pai. Ou serão a criança e o adulto, o menino e o homem? Os poemas têm presenças femininas também, como a mãe e a avó, mas é entre o garoto e o homem que os conflitos acontecem. Voltamos ao título?

Embora a pistola esteja no título, são outras as armas que des/ferem mais em seus versos: a faca, a adaga. Esta última aparece num dos momentos mais líricos do livro, em que se pergunta “quando serás clara,/clara manhã empunhando uma adaga?” O sangue derramado, outro matiz, aparece quase sempre acompanhado do coração, como que desnudando o sofrimento.  A tríade coração/morte/sangue se intercala, se interpõe, às vezes dois deles juntos ou se opondo, dialogando.

Faço minha apreciação com perguntas porque acredito que instigar está mais próximo daquilo que os poetas buscam. Os versos de Thiago provocam, contrastam, criam e reclamam com poemas curtos e intensos, e com poemas longos que abrigam poemas curtos em seu interior; poemas gêmeos não-univitelinos, todos numerados. E um momento de prosa poética, quase na metade do trabalho, significativo para um trabalho que possui uma numeração até quase metade dos algarismos inteiros.

A metalinguagem também se diz presente nesse trabalho. Porque os poetas precisam falar da poesia. Para Thiago, a poesia é a “pedra, pedra viva”, é pó, é silêncio. E o poeta sempre se perguntando, “eu estava na minha cabeça/me imaginando/falando numa entrevista/(como me imagino sempre)”. Os poetas estão sempre se entrevistando? 

Há que se destacar também um momento baudelairiano, ou melhor, milleriano, e outro à la cummings: “uma garrafa/vazia/de azeite”.

Não há como não se identificar com as histórias de saudade que Thiago traz em seus versos: pessoas ausentes, coisas ausentes, momentos que não retornam, pessoas que não retornam. A ausência doída, a ausência necessária, a fuga.

De todos os tons da obra, o mais delicado é a presença das asas, que reproduzo apenas em parte: “eu te dei um capacete, deus/e você me deu uma asa/não um par de asas, mas uma asa[...]”. E sua veia visionária decreta: “é preciso olha para as coisas como/se despíssemos um manequim”.

“Teu pai com uma pistola” tem, acima de tudo, um caráter de primeira pessoa, uma primeira pessoa que reina (mas não absoluta) sobre as vozes e tons que Thiago imprime à sua poesia. Os poemas, costurados pelos décimos e centésimos de segundo, não escapam dos abraços que o poeta retrata e professa até quase metade, até quase metade dos algarismos.                            

por Maiaty S. Ferraz

Link para “Teu pai com uma pistola”:
http://www.confrariadovento.com/editora/catalogo/item/71-teu-pai-com-uma-pistola/71-teu-pai-com-uma-pistola.html


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